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Estados líderes do NE sofrem com seca e corte de projetos

Bahia, Pernambuco e Ceará, que juntos representam 63% da economia do Nordeste, registram, no acumulado do ano, indicadores de atividade e emprego piores que a média do país. Além da crise que o Brasil enfrenta desde 2014, o fim da implantação de grandes projetos e o período prolongado de seca contribuem para esse cenário regional, segundo economistas. O mau desempenho desses Estados deve contribuir para que desempenho do PIB da região fique abaixo da média nacional este ano, segundo a 4E Consultoria.

No primeiro semestre, o Nordeste foi o campeão de perda de empregos formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. A região teve um saldo negativo de 96.330 vagas. Apenas Pernambuco foi responsável por um terço dessa queda. No Brasil, a média foi de criação de 67.358 vagas líquidas.

Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do primeiro trimestre, dado mais recente disponível, o Nordeste teve o segundo maior aumento na taxa de desemprego entre as regiões do país, de 12,8% para 16,3%. Em termos nacionais, a desocupação aumentou 1,7 ponto para 13,7% no período. No Estado da Bahia, a taxa chegou a 18,6%, em Pernambuco, a 17,1% e, no Ceará, a 14,3%.

A Pnad é mais abrangente que o Caged, porque também inclui o trabalho informal. O Nordeste já é tradicionalmente a região com maior taxa de desemprego no país e a piora nesse quadro é um dos fatores que fizeram com que dezenas de milhares de famílias voltassem a depender do Bolsa Família, como mostrou reportagem do Valor na segunda-feira. No total da região, 62.236 delas voltaram ao programa, das quais 16.781 na Bahia, 11.973 em Pernambuco e 7.345 no Ceará.

“O Nordeste tem uma economia intensiva em trabalho. Então, é natural que os períodos de recessão se reflitam de forma mais contundente na região”, afirma Julio Mereb, consultor da área de economia aplicada, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Quanto à atividade, em dois dos três principais Estados nordestinos, o varejo e a indústria acumulam quedas maiores que a média do país. No ano, até o mês de maio, dado mais recente, a produção industrial da Bahia caiu 6,6%, e a do Ceará teve baixa de 0,2%, na comparação com o mesmo período do ano passado. No restante do Nordeste, o setor recua 1,6%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A indústria de Pernambuco sobe 1,3% no período. Na média do país, a produção subiu 0,5%.

O comércio teve retração de 5,7% no ano no Ceará e de 3,5% na Bahia. Em Pernambuco houve alta de 2,4%. Mas quando se olha o segmento mais importante, o de hiper, supermercados, alimentos e bebidas, todos registram quedas pronunciadas: de 12,8% na Bahia, 3,1% no Ceará e de 2,8% em Pernambuco. No país, a retração do varejo restrito (sem veículos e material de construção) foi de 0,8% no ano e de 0,9% em super e hipermercados.

Nos serviços, o volume acumulado no ano até maio cai mais que a média nacional (de -4,4%) na Bahia (-5,9%) e em Pernambuco (-5,5%). No Ceará, recua 3,6%.

Para Luiz Alberto Esteves, economista-chefe do Banco do Nordeste (BNB), o impacto da crise foi sentido com atraso na região, mas quando seus efeitos foram sentidos o estrago foi maior. “No caso da indústria, a crise ‘pegou’ primeiro setores que não estavam alocados no Nordeste, como máquinas e equipamentos, onde as regiões Sul e Sudeste são mais fortes. Só depois houve o contágio e todo o mundo sentiu os efeitos da recessão”, afirma.

Esteves também cita os seis anos de seca na região. “Este ano choveu, mas levará muito tempo para haver uma recuperação. Mesmo sem crise, a seca teria afetado a economia do Nordeste”, acredita.

Além da crise, o Nordeste sente o impacto do fim do período de investimentos em infraestrutura que ocorreu entre os anos 2009 e 2015, afirma o economista Paulo Guimarães, da consultoria Ceplan, do Recife. “A redução no volume de investimentos na região foi muito significativa e maior que a média nacional. Esse momento de desmobilização acabou ocorrendo no mesmo período do agravamento da crise econômica e política, o que piorou a situação regional. Isso pode ser constatado nos dados do mercado de trabalho”, diz.

Guimarães observa que Pernambuco, Ceará, Bahia e também Maranhão viveram um período intenso de investimentos, especialmente nos complexos portuários de Suape, Pecém e Itaqui e na região ao sul de Salvador. “Até 2015, houve um processo de expansão que juntou novos projetos, emprego formal e programas sociais que tiveram impacto regional”, disse, lembrando que naqueles anos o desempenho da economia da ~região Nordeste ficou acima da média nacional.

Citando dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guimarães observa que houve redução de 49% dos desembolsos na região Nordeste de 2015 para 2016, enquanto no Brasil a retração foi de cerca de 35%. Os dados de contratação do BNDES indicam que em 2017 os desembolsos terão desempenho semelhante ao de 2016, estima.

Para o economista da Ceplan, a melhora de alguns indicadores de atividade em Pernambuco pode estar relacionada à entrada em operação de alguns projetos. “Possivelmente, a entrada em operação dos investimentos concluídos em 2016 e no início de 2017 nas áreas de refino, petroquímica e veículos influenciaram os dados de produção.”

A expectativa é que ao longo do segundo semestre deste ano, Pernambuco registre uma retomada tímida. “Talvez seja o primeiro Estado nordestino a iniciar um processo de reversão, ainda não no emprego, mas na produção”, acredita. Apesar dos dados de atividade positivos, Pernambuco foi responsável por um terço da perda de mais de 96 mil vagas formais registradas pelo Caged no Nordeste.

De acordo com a Pnad Contínua, a queda no número de ocupados em Pernambuco no primeiro trimestre, de 5,5%, é bem maior que a média nacional, de 1,9%, e do próprio Nordeste, de 4,9%.

Retrato da dificuldade em se colocar no mercado de trabalho local, Glaucia Cristina Silva, 28 anos, está há três tentando deixar de fazer parte das estatísticas de desemprego no Recife. No momento, briga por uma vaga de vendedora em uma loja de tecidos no centro da cidade. Está em estágio probatório há mais de um mês. “Eu me arrependi de ter saído do meu último emprego três anos atrás, porque até agora não consegui mais nada com carteira assinada”, conta. Ela sustenta três filhos sozinha.

Adriano Moraes, 33 anos, conseguiu no mês passado um emprego como vendedor em uma loja de sapatos no centro do Recife. Ele estava há oito meses desempregado, trabalhando com artesanato informalmente. “Está muito difícil conseguir uma vaga. Entreguei o currículo em oito lojas. Foi um alívio grande essa contratação agora, porque minhas dívidas estavam se acumulando”, disse.

Outro dado que mostra como a economia dos três Estados tem apresentado desempenho muito aquém da média nacional é o Índice de Atividade Econômica do Banco Central. Enquanto o indicador para o país cai 0,05% no ano até maio, o da Bahia recua, 1,50%, o de Pernambuco cede 2,14% e o do Ceará diminui 2,25%. No agregado da região Nordeste, o índice sobe 0,1% no período, puxado por Maranhão e Piauí, fronteiras agrícolas que tiveram forte aumento na produção de grãos na atual safra.

“A base de comparação fraca gerou um aumento forte de atividade nesses Estados”, diz Alejandro Padrón, da 4E Consultoria. Enquanto a produção de milho e soja no Brasil cresceu 28%, a do Piauí aumentou 142% e a do Maranhão cresceu 113%.

A safra, contudo, não foi suficiente para deter a retração da atividade geral na Bahia, maior economia do Nordeste e a que apresenta as quedas mais contundentes. O Estado tem uma atividade agrícola importante no oeste, mas nem o aumento de 51% na produção de grãos foi suficiente para levantar a economia local.

“O desempenho agrícola não foi suficiente para elevar a indústria do Estado, por exemplo. Setores tradicionais, como o de tecidos, não foram tão bem”, afirma Padrón, observando que a Bahia é o Estado com a economia mais complexa do Nordeste.
Por causa desses três Estados, o PIB do Nordeste deve ter o segundo pior desempenho do país neste ano, segundo cálculos da 4E. Ali, a queda deve ser de 0,4% ante 2016. No Sudeste, o recuo deve ser de 0,3%. No Norte, onde a agropecuária tem pouca representatividade, o recuo deve chegar a 1,4%. Regiões eminentemente agrícolas, o Sul, com crescimento de 0,8%, e o Centro-Oeste, com 0,9%, serão as únicas a ter PIB positivo no ano. A consultoria estima queda de 0,1% para o PIB brasileiro.

Fonte: Valor Econômico

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